A saída dos dois maiores ícones da chamada “República de Curitiba” e combatentes da corrupção pode levar a Lava Jato ao enfraquecimento.

 

Com a saída de Deltan Dalagnol, nessa terça-feira (1º), da coordenação da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba, somado ao fato de Sergio Moro não estar mais à frente da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal (nem do Ministério da Justiça), o país perde dois dos maiores ícones da chamada “República de Curitiba”, protagonistas que estavam à frente da ribalta do combate a corrupção.

A saída dos defensores da Lava Jato (LJ), em meio a um governo que se elegeu propagando como bandeira o combate à corrupção e cantando em prosa e verso as qualidades da Lava Jato, é inusitado, mas não inesperado, ainda mais pelos novos amigos e companhias adotadas por este mesmo governo.

A palavra mais ouvida da boca dos “partidários” da Lava Jato é que foram traídos, pois esperavam um apoio maior de supostos aliados e antigos apoiadores. Tal sentimento revela uma ingenuidade um tanto infantil e nos evidencia que, não raras vezes, muitas pessoas ainda veem o mundo com lentes cor de rosa.

Não farei aqui julgamentos se a Força Tarefa e o juiz Sergio Moro cometeram excessos ou se são vítimas de injustiça, trarei apenas alguns pontos para reflexão tendo o campo político como norte.

A LJ em vários momentos se encontrou em uma área fronteiriça ou híbrida da política e da justiça, sendo exitosa em muitos momentos, principalmente quando se aproxima do campo da justiça. Porém, ao pender para o campo da política, as regras nem sempre lhe eram claras e assim acumulou alguns reveses.

Os mais recentes podem ter como causa os seguintes pontos:

1) A mídia que sempre deu apoio à LJ tem dedicado sua energia em cobrir as ações relacionadas a pandemia, outras operações de combate a corrupção e os seus próprios problemas com o governo federal, sem contar o desgaste que este último traz para sua credibilidade. Ou seja, está ocupada demais para socorrer os amigos de outrora.

2) A LJ utilizou como combustível os sentimentos anti-establishment e anti petista, dois elementos que não são mais abundantes ultimamente. Os defensores do anti-establishment podem se sentir de alguma forma contemplados pelo governo Bolsonaro e, portanto, menos motivados a promover uma defesa acalorada da Força Tarefa e de seus princípios. Já a motivação dos advogados do anti-petismo arrefeceu porque alguns destes adversários já parecem vencidos ou no mínimo menos relevantes (o partido não comanda mais o país e nenhum candidato do PT lidera as pesquisas de intenção de votos para as eleições deste ano nas capitais).

Caso queiram defender de forma sustentável seus legados na LJ, é indispensável que, após lamber as feridas e absorver os golpes, Deltan e Moro comecem a amadurecer o pensamento político e compreender as limitações e possibilidades de suas novas condições.

A principal limitação é a ineficiência de manter a população engajada e apoiando a Força Tarefa, que tão bem funcionou no passado quando podiam contar com a força da caneta do juiz e com a autonomia do Ministério Público. Ao jogar exclusivamente no campo da politica e do apoio popular Deltan e Moro, craques no judiciário, mostraram-se pouco hábeis.

É inegável que a operação Lava Jato é um marco do combate a corrupção no Brasil e que suas ações geraram um grande dano ao campo político e empresarial, logo seria ingenuidade imaginar que não haveria reação. “Toda ação possui uma reação em igual intensidade, mas em sentido opostos”, já afirmava a terceira lei de Newton. Era de se esperar que, assim como houve uma grande reação dos políticos italianos à operação mãos limpas, haveria no Brasil reações e retaliações para com a Lava Jato.

Até o momento o passo mais explícito em direção à política foi dado por Sérgio Moro quando aceitou ser Ministro da Justiça e os adversários da operação, sem pestanejar, ajudaram a puxá-la ainda mais para a política. É lá que a disputa irá continuar – na Câmara Federal, no Senado e no Palácio do Planalto.

Defender o legado da Lava Jato e de seus protagonistas é sinônimo de preparação no campo político, com pensamento estratégico claro e organizado para concorrer aos cargos em disputa em 2022.

A oportunidade se apresenta na possibilidade de converter o apoio popular que ainda possuem em capital político e votos, viabilizando projetos eleitorais próprios. Pegar carona, como aconteceu com Bolsonaro, não é o caminho. Somente com posições na Congresso Nacional terão a certeza de levar adiante a pauta do combate a corrupção.

Optando pelo afastamento da arena pública, o legado da LJ estará refém dos detentores de mandato, afinal a história usualmente é contada pelos vencedores.

Sigamos em frente, aprimorando o nosso pensamento estratégico.

 

Editoria: Análise política