A demissão de Luiz Henrique Mandetta do cargo de Ministro da Saúde no dia 16 de abril conclui um dos capítulos da crise instalada entre ele e o Presidente da República, permitindo-nos fazer uma análise a respeito da atuação destes atores políticos na arena pública brasileira, em especial de Mandetta.

Mandetta e Bolsonaro são dois ex-deputados federais que seguem caminhos distintos na construção de narrativas políticas diante da pandemia do novo Coronavírus, o que se deve, em grande parte, pela origem política de ambos. Enquanto Bolsonaro sempre se colocou na posição de outsider da política, apresentando-se inclusive como uma antítese desta, Mandetta é um político por excelência, como fez questão de frisar na reunião com a Frente Nacional dos Prefeitos e, como político experiente, soube usar a crise como um catalisador para o crescimento de sua imagem.

Mandetta possuía duas possibilidades…

A primeira, aderir ao posicionamento do presidente e recuar diante das orientações da OMS, continuando ministro, mas com um espaço público reduzido e sendo apenas mais um negacionista entre tantos do governo. Mas, decidiu por se apresentar publicamente como um técnico racional, cuja principal preocupação era o trabalho em prol da saúde e das vidas ao lado do discurso mainstream da ciência, colocando-se em rota de colisão com seu chefe imediato.

Ao optar pelo segundo caminho, Mandetta garantiu alguns trunfos importantes: uma narrativa de abnegação e dever  -“medico não abandona seu paciente” -; caráter e valores morais -“aprendi com meu pai…”-; companheirismo e fidelidade com a equipe -“entramos juntos, sairemos juntos”-; e alternou momentos de cansaço e irritação, justificados pelo excesso de trabalho e stress, com descontração e bom humor, representando aquele sujeito boa praça com quem as pessoas se sentem confortáveis em tomar um café. Ou seja, um storytelling completo, somado, ainda, a adesão de parte significativa da mídia e do campo moderado do Congresso Nacional. A conquista política foi alcançada por mérito próprio, mas também por ser um contraponto ao Presidente dentro de seu próprio governo.

A atuação de Mandetta nos ensina 7 lições fundamentais na política:

1) É importante identificar e definir com quais públicos se pretende falar e conquistar a simpatia;

2) Ter uma narrativa coerente com sua trajetória;

3) Em momentos de crise a população almeja por segurança e experiência;

4) Criar empatia com a audiência e mostrar que a preocupação deles também é a sua;

5) Aproveitar ao máximo o espaço e as oportunidades – a entrevista para o Fantástico consolidou a sua versão do conflito;

6) Jogar em time – ele tem ao seu lado o Presidente da Câmara e o Presidente do Senado, ambos do seu partido (DEM); e

7) Constância no discurso para que a mensagem seja fixada – Mandetta repetia suas mensagens insistentemente: ciência, trabalho (lavoro), vidas.

Ao sair do Ministério antes de um eventual pico de morticínio, Mandetta poderá se eximir da responsabilidade por quaisquer problemas na condução da política sanitária. Caso a situação não se agrave, poderá avocar para si os méritos de ter realizado as medidas necessárias no tempo oportuno.

Os movimentos foram pensados, não havia ingenuidade. Não afirmo, com isso, que a motivação dele tenha sido cínica, mas sim planejada, calculada, com estratégia, o que é fundamental para qualquer agente político.

Mandetta com certeza sai maior do que entrou…

Uma série de pesquisas aponta que tanto sua atuação pessoal quanto a do Ministério da Saúde foram melhores que a do Presidente durante toda a pandemia e, no momento de sua saída, 64% dos ouvidos pelo Datafolha discordam da atitude do Presidente em demití-lo.

Não analiso se Bolsonaro agiu bem ou mal nesta demissão, tampouco avalio a atuação do Ministro na pasta da Saúde, porém, com base na Ciência Política, na estratégia e em aspectos de comunicação, o ex-ministro foi muito bem e se habilita para seguir jogando. O capítulo terminou, mas ainda veremos muitos outros até 2022.

Editoria: Análise política