As decisões do Brasil devem ser tomadas de principalmente pelo presidente ou os estados e municípios podem ter maior autonomia para determinações próprias? Qual o papel da população?

 

A pandemia causada pelo coronavírus, além do imenso morticínio e do colapso na estrutura da saúde, gerou e intensificou crises no meio político: uma delas é o relacionamento entre o presidente da república, os governadores e os prefeitos.

A forma de condução das medidas de enfretamento à pandemia são o grande motor desta crise, mas ela tem um foco especial: quem tem a legitimidade de estabelecer medidas restritivas de circulação de pessoas, do funcionamento do comércio e, mais recentemente, do funcionamento ou não de templos religiosos?

No dia 15 de abril de 2020 o Supremo Tribunal Federal decidiu que os estados e os municípios (além do próprio governo federal) teriam liberdade de decisão sobre as restrições de atividades e de circulação, acentuando ainda mais o conflito. O principal argumento utilizado pelo STF foi que os entes que compõem a federação possuem autonomia.

Governo central tem mais autoridade?

Simplificadamente, federação é uma forma de Estado (as outras são Estado unitário e confederação), que mantém a autonomia dos entes que a compõe (no caso brasileiro os estados e municípios), mas permitindo intervenção do governo central em suas unidades.

Podemos ter como exemplo de comparação o caso americano. Lá eles também vivem numa federação, porém, os estados possuem uma autonomia maior, tanto na questão tributária, quanto em questões penais. Alguns aplicam a pena de morte, outros permitem o comércio da maconha, outros ainda permitem o aborto e outros não. Questões sobre as quais nenhum estado do Brasil tem autonomia para definir, somente a União.

No modelo americano, antes da constituição da federação, predominava a descentralização. Lá existiam as 13 colônias autônomas, que se uniram e constituíram um governo central. No caso brasileiro, você já tinha um Estado unitário (monárquico) que se descentralizou a partir da república.

Qual modelo preferimos?

Uma federação pode assumir um caráter mais centrípeto (que busca concentrar mais poder no governo central) ou mais centrifugo (distribuindo mais poder e autonomia às partes componentes).

Aqui que devemos nos perguntar qual destes modelos nós queremos: um que concentre mais ou um que distribua mais? É importante que façamos isso sem necessariamente olhar para quem ocupa os papéis nesse momento, se gostamos ou não do governador, prefeito ou presidente.

Para aqueles que entendem que o presidente deveria ter plenos poderes e que governadores e prefeitos deveriam apenas servir de executores do que foi por ele definido, estão muito perto de defender não uma federação, mas sim um Estado Unitário (como a China por exemplo).

Aqueles que defendem uma total autonomia dos estados e municípios em relação à União, desconsiderando inclusive aspectos de soberania, estão muito perto de defender o separatismo.

Existe meio termo?

Cabe aqui o caminho do meio: fortalecer a autonomia de gestores mais próximos (espacialmente) dos cidadãos, porque os mecanismos de cobrança e fiscalização (Accountability) são mais fáceis. Em um país continental, como o nosso, ter as decisões que impactam nossa vida tomadas por gestores mais próximos, que conhecem melhor as especificidades geográficas e culturais é uma vantagem. Contudo, sem desconsiderar ou enfraquecer a capacidade de coordenação do Governo Federal.

Para funcionar é importante que cada uma das partes respeite os limites e as atribuições de si mesmos e dos outros. Que o presidente seja presidente, que os deputados legislem e fiscalizem, que os governadores e prefeitos cuidem de seus territórios, que o STF se atenha dirimir e arbitrar as dúvidas constitucionais e que os eleitores/cidadãos possam escolher cada vez melhor quem irá exercer estes papeis.

Todos estes atores devem estar cada vez mais atentos em ouvir, a tecnologia nos permite instrumentos para envolver os cidadãos e para que os governos sejam mais responsivos ao que a população deseja.

Por fim, respondendo à pergunta do título, quem manda é o povo e a constituição.

Editoria: Análise política, Coronavírus